Claudio Leal
Autor das biografias de Assis Chateaubriand, Olga e Paulo Coelho, o jornalista Fernando Morais enfrentou um contratempo, na Biblioteca Nacional, ao fazer o registro dos direitos autorais do livro “Na toca dos leões” – a história do publicitário Washigton Olivetto -, que vai virar filme pelo produtora O2, do cineasta Fernando Meirelles. “Eles estão exigindo agora que você leve autorização dos personagens citados na sua obra ou dos seus descendentes”, relata a Terra Magazine. “Isso é uma forma de censura! A única coisa que eles têm que exigir de mim é uma declaração assinada de que a responsabilidade pelo que está na obra é exclusivamente minha”, acrescenta. Morais acusa a exigência de ser “inconstitucional” e inviável. “Imagine se eu fosse recolher a autorização dos 200 personagens que eu entrevistei para “Chatô”, diz o biógrafo. O responsável pelo escritório de direitos autorais da Biblioteca Nacional, Jaury Nepomuceno, afirma que “esse registro não é obrigatório, é facultativo, o autor pode registrar se quiser e o direito dele é independente do registro”. Nepomuceno considera as queixas de Morais como as de “um turrão”. “Você não precisa registrar nenhuma biografia. Se você quer registrar, o meu raciocínio é que você está querendo uma coisa que não é necessária e tem que se submeter às formalidades bucrocráticas do registro. Estou preocupado com a Biblioteca Nacional não sofrer ação judicial. É muito comum no campo do cinema. É muito comum fazer um filme sobre sua vida com considerações sobre sua avó. Mas só se pode fazer isso com sua autorização”, justifica. A Biblioteca Nacional, segundo relata, reforçou as exigências há cinco anos, depois de sofrer processos relacionados a marcas protegidas, uma delas de um grande banco. “Você pede a autorização ou me envia uma resposta se responsabilizando, e eu faço o registro da mesma maneira, sem problema nenhum. Quantas obras Fernando Morais foram registradas comigo? Quatorze obras. Ele não precisa registrar e quer dizer pra mim como é que eu vou fazer? Ele tem que se submeter às exigências do registro. Não tem nada de descabido. Caso você não tenha essa autorização, você pode me mandar uma carta me isentando de problemas judiciais. Eu reconheço que é uma exigência burocrática”, argumenta Nepomuceno. Morais não se sente satisfeito com a explicação. “É evidente que o meu livro não deixa de ser livro se eu não registrar na Biblioteca Nacional. Agora, se eu vendo ele pra você filmar e você entra com um processo, no Ministério da Cultura, pedindo autorização para captar dinheiro pela Lei Rouanet, a primeira coisa que eles vão pedir é o contrato de que o autor está vendendo mesmo os direitos, e segundo: registro na Biblioteca Nacional. Não é uma escolha do autor. Se ele não registrar, não pode vender o livro”, reage Fernando Morais. O biógrafo é um dos aguerridos defensores do Projeto de Lei 3378/08, de autoria do ex-deputado Antonio Palocci, que libera a divulgação de imagem e informações biográficas de personalidades públicas. O projeto do atual ministro da Casa Civil, retirado de pauta por acordo em 30 de junho de 2009, está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Pelo Código Civil, os biografados e, em caso de morte, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes podem impedir a circulação de biografias não-autorizadas. O artigo 20 estabelece que “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Com a reforma da lei, ficará autorizada “a divulgação da imagem e de informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública, personalidade da política e da cultura”. - Eu acho que a primeira coisa que tem que ser resolvida – estou falando do ponto de vista corporativo de um autor de não-ficção – é a questão da liberdade de expressão. Ou a liberdade de expressão está garantida pela Constituição, ou o direito de imagem que está na Constituição colide com a liberdade de expressão – afirma Fernando Morais. Nesta entrevista, ele comenta os impasses do direito de imagem no Brasil. Terra Magazine – O que o senhor acha de o projeto de lei do ex- deputado e atual ministro Antonio Palocci, que impede a proibição de biografia por questões de direito de imagem, estar parado na Câmara? Fernando Morais – Estou metido num livro e não pude me mobilizar. Na verdade, chegou-se a montar uma viagem de mobilização de autores para ir a Brasília, para falar aos parlamentares, sobretudo os que pareciam estar mais reticentes. Mas aí, por alguma razão, foi desmontado isso. O projeto foi enviado à Comissão de Constituição e Justiça, que adiou a votação, e até hoje não foi retomado. É uma coisa muito complicada, porque há confronto entre artigos diferentes da Constituição. O juiz pode interpretar um pouco a seu gosto. O pior é que isso está comprometendo o mercado de trabalho de quem faz livros de não-ficção. Por quê? Muitas editoras, quando se interessam por um original, antes do publisher-editor ler, manda pro jurídico, para ver se não tem uma ameaça. A lei atual pode ser aplicada na proibição da circulação de biografias… É. Tem uma outra questão que estou querendo tratar, mas só estou esperando o novo presidente da Biblioteca Nacional tomar posse, seja ele quem for. Quero chamar a atenção para o que está acontecendo na Biblioteca Nacional, no departamento de registro de obras. Amanhã você escreve um livro sobre Jânio Quadros. Uma biografia. Você encontra várias biografias diferentes, mas é a sua biografia. Aí eu digo: “Quero filmar a sua biografia, ou transformar numa peça de teatro, ou fazer uma minissérie, ou fazer uma novela”. A primeira coisa que você tem que fazer com sua obra, a primeira exigência jurídica, é registrá-la na Biblioteca Nacional. Bom, eles estão exigindo agora que você leve autorização dos personagens citados na sua obra ou dos seus descendentes. Isso é uma forma de censura! É o seguinte: a única coisa que eles têm que exigir de mim é uma declaração assinada de que a responsabilidade pelo que está na obra é exclusivamente minha. Agora, se não tiver autorização, por exemplo, do Jânio Neto, não registramos. Isso é exigido por lei? Isso é inconstitucional, isso não existia antes. Eu já tinha registrado outros livros, sem que me tivessem feito esse tipo de exigência – entre esses livros, o “Chatô”. Imagine se eu fosse recolher a autorização dos 200 personagens que eu entrevistei para “Chatô”… Isso é inconstitucional. Parece coisa de burocrata. Vendi o “Na toca dos leões”, que é a história do Washington Olivetto, para a O2, de Fernando Meirelles. Fui registrar agora, tinha muito tempo que eu não registrava livro, e exigiram cartas dos citados e referidos no livro, não sei quê. Falei que eu tinha que assumir a responsabilidade, e eles acabaram aceitando. E está aberto o precendente, vindo de quem deveria defender o livro. O senhor teve alguma experiência, em suas biografias, de entrevistados que recuaram dos depoimentos prestados?Nesse caso, essa exigência pode prejudicar o autor? Sim, sim! Eu tive um caso celebérrimo com a (romancista) Rachel de Queiroz. Coincidiu de sair o “Chatô” quando a revista Veja fez uma págima amarela com a Rachel de Queiroz. A uma certa altura, perguntam para ela sobre Chatô. Eu tinha feito uma longa entrevista com ela, por segurança gravada, como eu faço sempre, porque ela tinha trabalhado na “O Cruzeiro”. Ela disse o seguinte: “Ah, o Fernando Morais exagerou, o livro está muito fantasioso, o Chateaubriand não era aquele galinha, aquele garanhão, não, era uma pessoa distinta”. E passou batido. Quando você levanta a suspeita sobre um parágrafo, você está levantando suspeita sobre um livro inteiro. Na semana seguinte, saiu no setor de cartas da Veja uma carta minha: “Rachel de Queiroz mentiu. Ou mentiu para vocês, na página amarela, ao dizer que Chateaubriand era um santo, ou mentiu para mim, quando deu-me uma entrevista de cuja fita gravada eu extraio a seguinte frase: “Moça de família não andava com Chateaubriand, não frequentava o ambiente de Chateaubriand”. Obrigado, Fernando Morais”. Tem isso. A pessoa só pode ter esquecido, porque a entrevista estava gravada, não ia correr o risco de ser desmentida. Mas tem esse problema de gente que dá o depoimento e recua. Quais pontos devem ser mudados da Lei de Direito Autoral? Eu acho que a primeira coisa que tem que ser resolvida – estou falando do ponto de vista corporativo de um autor de não-ficção – é a questão da liberdade de expressão. Ou a liberdade de expressão está garantida pela Constituição, ou o direito de imagem que está na Constituição colide com a liberdade de expressão. Isso é um machado em cima da cabeça das pessoas que só será resolvido se for aprovada a Lei Palocci. A lei atual atrapalha a existência de boas biografias de personalidades da história nacional, como Getúlio Vargas, que não tem uma biografia de nível? Essas coisas deram dor de cabeça pra muita gente. Ruy Castro teve o caso célebre, tristemente célebre, das filhas do(jogador) Garrincha. E depois teve o outro caso escandaloso do (cantor) Roberto Carlos com Paulo César de Araújo. A Justiça praticamente intimidou o autor, com o conluio do editor dele, a fazer um acordo com Roberto Carlos. Uma violência brutal, com o juiz de direito presidindo o acordo. Terra Magazine Os Direitos Autorais são um conjunto de normas legais e prerrogativas morais e patrimoniais (econômicas) sobre as criações do espírito, expressas por quaisquer meios ou fixadas em quaisquer suportes, tangíveis ou intangíveis. São concedidos aos criadores de obras intelectuais e compreendem os direitos de autor e os que lhe são conexos. Eles se inserem na área que algumas correntes doutrinárias, como a que nos filiamos, chamam de Direitos Intelectuais, embora seja mais conhecida com o nome de Propriedade Intelectual.
Os Direitos Intelectuais cuidam das coisas intangíveis, como as inovações criadas pela mente. Sob essa área também estão os direitos sobre cultivares (variedade vegetal com característica criada e inédita), os de propriedade industrial (marca, patente, desenho industrial e transferência de tecnologia) e os conhecimentos e expressões culturais tradicionais. O que protegem Os Direitos Autorais somente protegem as obras literárias, artísticas e científicas, é regulado pela Lei nº 9.610/98 e tem sua política a cargo da Diretoria de Direitos Intelectuais, estrutura da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC). O registro da obra depende da natureza dela e não é obrigatório, uma vez que a obra está protegida desde a sua criação. Entre os beneficiados pelos direitos autorais, estão os compositores, músicos, escritores, tradutores, cineastas, arquitetos, escultores, pintores etc. Já outros tipos de obras e invenções, como programas de computador, por exemplo, embora estejam sob a proteção do Direito Autoral, são regulados pela Lei nº 9.609/98 e sua política está a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O registro deve ser feito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Importância O Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet. Os Direitos Autorais integram as políticas públicas voltadas para a economia da cultura dos países modernos, sendo fundamentais para assegurar sua soberania e desenvolvimento Por João Dias Turchi
Os direitos autorais são quase tão antigos quanto o surgimento da imprensa. Após o invento de Gutenberg, as criações individuais passaram a ser reproduzidas em quantidade e velocidade nunca antes observada. Determinar os verdadeiros criadores das obras ficou, assim, mais difícil, qualquer um poderia reproduzí-las e clamar sua autoria. Surge, então, a necessidade de que as obras tornem-se propriedade dos seus criadores, como forma de protegê-las contra apropriações indevidas. Consequentemente, os direitos autorais começam a se delinear. A era digital, iniciada com a internet e realimentada pelo surgimento constante de novas plataformas eletrônicas, alterou profundamente a capacidade de reprodução em massa e difusão de obras. Como consequência, o perfil dos direitos autorais também sofreu alterações significativas. Como regular a reprodução de expressões artísticas, como textos e músicas, em tempos de youtube, scanner, blog, twitter? Atualmente, discute-se uma nova lei de direitos autorais no Brasil. Antes, no entanto, de analisar as inovações propostas pela lei e como ela pretende adequar o direito autoral do país à era digital, é preciso fazer uma breve análise da lei ainda vigente. A Lei 9610, de 1998, é a mais recente a tratar sobre os direitos autorais. Ela é um marco relevante na regulação da propriedade intelectual no país. Nela, o autor da obra é definido como aquele que tiver se apresentado dessa forma quando da sua utilização. A lei estabelece, nesse sentido, que a proteção aos direitos de autor não depende de registros oficiais, o que é um passo importante frente aos extensos (e, muitas vezes, ineficazes) formalismos do direito. Apesar de relativamente recente se comparada à tradição legislativa brasileira (o Código Penal é de 1940, o Civil era de 1916 e só foi revogado em 2002), desde 2005 discute-se a promulgação de nova lei de direitos autorais. Como foi dito, nas últimas duas décadas observou-se um desenvolvimento sem precedentes dos meios digitais. Se analisarmos a questão em termos de novas plataformas de comunicação e difusão, 1998 parecerá bem mais distante do que a diferença de 12 anos pode sugerir. Por toda essa evolução eletrônica, a presença de certas regulamentações e a ausência de outras tornaram a lei prematuramente inadequada aos novos tempos. O novo texto legislativo procura, em grande medida, adequar os direitos autorais ao ambiente digital. Diferente de alguns países, como o Reino Unido, a França e os Estados Unidos, que, encarando a internet como um problema, tornaram sua legislação ainda mais rígida em termos de controle da reprodução de obras, a nova legislação proposta no Brasil parece tolerar a cultura do compartilhamento trazida pela internet. Condutas antes criminalizadas, apesar de corriqueiras, como a gravação para uso pessoal de um filme na TV ou a transmissão do conteúdo de um cd para mp3, seriam expressamente permitidas. Além de adequar os direitos autorais à era digital, a nova lei procura também criar mecanismos para facilitar o acesso do público às obras. Primeiramente, permite-se o uso da obra sem necessidade de pagamentos ou autorizações especiais em determinadas situações, como, por exemplo, para fins didáticos. Além disso, cópias para uso privado, antes impedidas pela lei, seriam agora possíveis, como aquelas resultantes de backups ou alterações de formato para fins de portabilidade. Outra inovação em termos de acessabilidade trazida pela nova lei são as chamadas licenças compulsórias (art. 52 – B) , que se referem a autorização outorgada pelo presidente da república para reprodução de obra artística sem autorização do autor, quando, por exemplo, os criadores colocarem obstáculos não razoáveis à exploração da obra ou quando esta não estiver mais disponível para a aquisição, por falta de novas reproduções. As alterações propostas à Lei de Direitos Autorais estão sendo discutidas e, ainda que não aprovadas, já apontam para uma conscientização sobre a necessidade de adequação à era digital, além de proporem uma importante rediscussão sobre acessibilidade e função social dos direitos de autor. |
Categorias
Todos
Arquivos
Janeiro 2012
|